10 de março de 2013

RPG é realmente um Role Playing Game?

Quanto mais defeitos, mais interessante fica o personagem
O nosso querido e amado hobby é realmente um role playing game (jogo de interpretação de papeis)? O quão comum são os problemas causados pelo meta-game em suas mesas? Todo mundo já teve uma experiência com um jogador que não consegue separar o seu próprio conhecimento do conhecimento que seu personagem possui. O que fazer nessas situações?

Não importa a ficha, o cara sempre interpreta, e age como, o mesmo personagem
Quem nunca viu um jogador que escolhe jogar de paladino mas resolve ser leal e bondoso apenas quando lhe convêm? Porque será que isso acontece? Será que o jogador vem pra mesa de RPG querendo ganhar no jogo? Acho que sim. Acho que RPG como Dungeons and Dragons, e seus muitos derivados, até certo ponto estimulam isso, ainda que de maneira inconsciente.

Uma das coisas que mais gosto, quando crio um personagem é criar defeitos para eles. Meu atual anão paladino é preconceituoso com outras raças e isto, entre outras coisas, lhe custou o poder divino. Hoje sou um paladino caído, mas porque escolhi ser e procuro redenção. Acho que isso dá uma boa história e dá muito pano pra manga. E eu tento agir no mundo de campanha em que jogo, Arton, como o meu personagem e não como eu mesmo.

Recentemente eu cheguei em um impasse. Meu paladino, ainda que sem poderes divinos, se comporta como um verdadeiro paladino e não aceita criminosos em sua companhia. Mas ele descobriu que um dos personagens do grupo tinha uma relação estreita com uma poderosa organização criminosa do mundo. 

Na teoria deveria ser assim.
Como um paladino da justiça era minha obrigação levar o personagem preso para ser julgado pelos seus crimes, cheguei até mesmo a falar que caso entregasse a organização isso seria muito relevante no julgamento e poderia influenciar positivamente para ele. Como jogador eu sabia que isso era uma situação chata na mesa, principalmente porque o outro jogador é extremamente apegado aos personagens que criava e é conhecido pelo meta-game que faz. E então, o que eu deveria fazer?

Optei por seguir o meu personagem, interpretar um paladino da justiça (nível 20 e em penitência para recuperar os poderes divinos) e levar o outro personagem para se apresentar a um tribunal. O outro jogador levou para o pessoal e isso causou muitas discussões e um problema muito chato na mesa, pois ele tentava usar de meta-game para evitar a situação e ficou muito chateado com a situação.

A situação se desenrolou com a morte de todo o grupo e o fim de uma campanha que é jogada desde o lançamento do Tormenta RPG (2010 se não me engano). O mestre, incrédulo do que estava acontecendo fez um malabarismo e "salvou" a campanha, mas o clima da mesa estava comprometido.

Mas aí eu pergunto a vocês: não estávamos jogando role playing game? Não deveríamos interpretar personagens e saber diferenciar o jogo do real? É lógico que a história continuaria, talvez ainda mais interessante do que estava. Mas não, tudo se resolveu da pior maneira possível. Eu fiquei com um pé atrás com essa situação, pois durante todo o desenrolar da confusão vi uma sucessão de meta-game, com jogadores usando seu conhecimento pessoal no lugar do conhecimento dos personagens e coisas do tipo.

Isso é apenas um desabafo, mas a questão se desenrola em diversas outras questões. Eu jogo RPG porque acho massa interpretar um personagem, muitas vezes bem diferente de mim mesmo. Acho a ideia de criar um personagem, rico em histórico e maneirismos muito interessante e isso é uma das coisas que mais gosto. Será que RPG não é isso e eu estou jogando errado a anos?

Será que um problema como esse aconteceria em um RPG narrativista? Será que o problema é do sistema? Ou dos jogadores? Ou meu, afinal pra que interpretar um personagem? O que vocês acham? Já tiveram um problema similar em suas mesas? Como lidam com essa questão? Comentem a baixo.

Comments (10)

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Rodrigo Quaresma's avatar

Rodrigo Quaresma · 633 weeks ago

Pelo que você descreveu aqui, houve uma severa falta de maturidade do seu colega que não conseguiu entender que você só estava interpretando fielmente seu personagem. Talvez o problema pudesse ter sido amenizado se vocês parassem o jogo e discutissem como prosseguir. Explicar por que seu personagem ia agir de tal maneira e pensar em maneiras de contornar isso, ou como convencer seu personagem a agir diferente.

Eu realmente não acho que o que tu fez foi errado mas talvez teu grupo não tenha lidado com isso da melhor maneira.
1 reply · active 633 weeks ago
Eu fiz isso, falei com o cara que o meu personagem me OBRIGAVA a fazer aquilo, dei dicas do que ele poderia fazer e tal. Mas não teve jeito, muita discussão surgiu de algo até certo ponto simples.
Isso é punk, nunca aconteceu isso em minha mesa, o pessoal é tudo amigo há anos. Meu personagem já morreu para outro personagem de um jogador e, claro que fiquei triste porque eu gostei muito do personagem, mas não houve stress.
Depende muito de cada mesa e de cada jogador. Acho que teu personagem fez o que devia fazer. Já tive jogadores que jogavam dos dois lados, então, para evitar que certas situações que não deveriam chegar ao conhecimento do grupo, fazia separado com o agente duplo, ou coisas pessoais de cada personagem entregava anotado em um bilhete. Funcionou bem d+, mas o agente duplo acabou se entregando sem perceber e sofreu as consequências. Os jogadores foi que acharam chato ter um traidor, mas ele até conseguiu se redimir e recuperar a confiança do grupo. Depende muito de cada jogador.
Primeiramente, deixe eu dizer que gostei muito de ler o seu artigo, Daniel. O problema que você relata é relativamente comum em mesa de jogo. Mas como ele é solucionado (ou não, como no seu caso), depende muito dos jogadores (e do mestre).

Tenho em comum com você a necessidade de criar e representar personagens complexos. Minha diversão no RPG vem primeiramente da interpretação e da interação com outros personagens. O problema com isso é que você pode acabar projetando psicologicamente para os outros essa característica (cair na armadilha que o outro acha o mesmo que você, e não vai fazer meta-game, etc...).

Para mim, o que aconteceu não foi culpa sua ou do outro jogador. E sim de ambos! Veja bem, o objetivo principal do RPG é se divertir. Eu como jogador ou mestre tento assegurar isso na mesa. Um mestre tem mais poder para isso, mas um jogador também tem muito. Entendo a situação do seu personagem, um Paladino que queria buscar a redenção e descobrindo o que descobriu, teria agido da forma que agiu. Passei por uma situação parecida mestrando, mas apesar de algum atrito, tudo correu bem porque os jogadores sabem que eu não busco matá-los, e sim criar uma história interessante (isso é uma forma de meta-game, mas nem sempre o meta-game é ruim).

O que eu acho que você poderia ter feito é ter arranjado um motivo para seu personagem conviver com esse criminoso. Daí surgiriam outras oportunidades de Role-Playing. Por exemplo, poderia achar que o criminoso estava buscando se redimir, assim como ele, criando uma ponte entre os personagens. Ou você poderia ter usado o próprio meta-game, e falado para ele off-game que seu personagem poderia agir de tal forma ou outra (parece que você tentou isso, pelo que colocou no seu artigo, mas sem detalhes é dificil de saber).

No RPG, o tipo de interpretação ideal é "especial". Cada jogador deve ter idéia que interpretar os defeitos de seu personagem causando problemas para o grupo não é saudável para o contrato social do grupo, de uma forma geral. Existem grupos que aceitam esse tipo de interpretação "hardcore", mas são raros. Nós não devemos nos fiar em outras mídias e representar os nossos personagens até as últimas consequências, especialmente se as consequências forem atrapalhar a diversão dos outros jogadores de forma clara. A sua resposta ao primeiro comentário, onde disse que explicava que o seu personagem obrigava a agir de tal forma é uma indicação clara do que gerou o problema em primeiro lugar.

Dito isso, o seu amigo com o personagem criminoso deveria ter colaborado, aceitando suas sugestões, ou já que pelo seu relato usava muito meta-game, poderia até ter colocado o mestre na conversa. Se eu estou mestrando esse jogo certamente iria assegurar ao jogador que a coisa seria resolvida de forma interessante. O restante do grupo (não sei o tamanho), também poderia ter colaborado para uma resolução mais produtiva.

Essas são apenas minhas opniões e idéias sobre o RPG e esse problema, que já vi acontecer inúmeras vezes. Inclusive gerando estresse imenso dentro do grupo que mestrava, que só não se separava acho que só porque queriam muito jogar mesmo. Quero finalizar deixando claro que minha intenção não foi causar polêmica, mas sim responder de forma sincera à sua pergunta.

Aliás, parabéns pelo blog e bons jogos!
César/Kimble's avatar

César/Kimble · 633 weeks ago

Concordo com o Wizard.
Mais ainda do que se manter interpretando teu personagem, é sempre preciso pensar no que é o melhor pro jogo. Isso vai causar um atrito? Vai deixar pessoas insatisfeitas e gerar problemas pra continuidade da campanha? Então talvez seja melhor parar e pensar direito nisso. Encontrar outra forma de seguir.
Se não existe risco de atrito, se o outro jogador entende o que você está fazendo e isso não vai gerar problemas, então continue.
Esse trabalho conjunto é que às vezes é esquecido quando todo mundo está jogando só pensando no seu personagem. Metagame sozinho não é bom ou ruim, como ele é aplicado no jogo é que define isso.
Se você percebeu que isso ia estragar o jogo, deveria ter parado um momento para conversar com o outro jogador e o Mestre: o que podemos fazer aqui? Como podemos continuar de forma que a campanha não seja prejudicada?
Infelizmente esse tipo de conversa aberta é algo que eu raramente vejo acontecer, porque as pessoas acham que todo mundo tem que se manter cuidando só do que é "seu". Os jogadores só precisam se preocupar com seus próprios personagens, o Mestre que dê um jeito e cuide pra campanha não se perder. Quando a atitude deveria ser "todos nós somos responsáveis pela diversão do jogo".
Da próxima vez senta e conversa. Eu tive uma situação parecida na minha última sessão de Marvel, mas estava mestrando. Um jogador é um espião infiltrado no grupo e outro personagem-jogador está desconfiando dele. Quando percebi que os jogadores estavam prestes a entrar em combate, eu perguntei pra eles: "Que tal terminarmos a cena aqui? Se a gente parar aqui, fica uma daquelas situações onde existe um agente infiltrado no grupo e outra pessoa desconfia dele. Isso vira um plot que pode ser desenvolvido. Se a gente continuar, isso aqui vai virar um combate."
Fui direto, aberto e coloquei as possibilidades na mesa. Os jogadores escolheram parar ali a cena e continuar a situação de desconfiança e intriga. O que foi ótimo pro jogo.
Acredito que foi essa conversa franca entre os participantes que faltou no teu jogo.
Abraço e tomara que a campanha continue.
Apesar de concordar com o Wizard, cada mesa é uma mesa, e atritos sempre rolam, afinal somos humanos. É difícil julgar ou opinar sobre o que aconteceu sem ter estado lá. O importante é que a amizade entre os jogadores continue no final, pois é apenas um jogo.

O César deu um bom exemplo de como resolver uma possível situação chata, é bom trocarmos experiências de jogo para aprendermos mais uns com os outros. Continuemos assim.
Ótimas reflexões! Esse é um problema mais comum do que imaginamos. Conheço muitos jogadores que não importa o jogo, personagem, cenário, enfim... sempre interpreta do mesmo jeito, ou pior, não interpreta nada! Nem todo mundo quer ou consegue criar uma persona inteiramente nova a cada ficha...
Esse tipo de situação é muito comum, na minha mesa já tive duas situações escrotas em que um jogador resolveu matar o personagem do outro ou matar o grupo inteiro O.o o seu caso é bem menos punk, mas, infelizmente é bem comum. O RPG é um jogo em grupo, personagens tem que trabalhar em equipe, aceitando as limitações e vidas dos seus companheiros. O seu colega ladino era ligado com as pessoas erradas, mas isso nmão o tornava mal, você acabou escolhendo um dos lados mais difícieis, entregar um amigo as autoridades.

Mais do que falar off você devia falar em on, ou, talvez, tentar montar uma armadilha contra a organização. Esse seria um método muito mais Hollywoodano (e incoerente, talvez), porem muito divertido. E, imagine só, depois de derrotar a organização o ladino se entrega e conta tudo que sabe, acaba que sai como um herói delator de vilões cruéis xD

ótimo post, abraço, cara
Gustavo Reis's avatar

Gustavo Reis · 628 weeks ago

No grupo que eu jogava, 90% era assim, levava sempre pro pessoal as richas entre personagens e usavam conhecimento que tinham fora do jogo no mesmo... O problema se resolveu quando ficamos quase 2 anos sem jogar RPG, que ai a galera se reuniu, conversou, dizendo os problemas que tínhamos que resolver e juntos fomos mudando(a maior parte, pelo menos)...

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